Em outubro de 2011, a ONU anunciou que a humanidade tinha atingido a
marca de sete bilhões de pessoas. Oito meses depois, em junho, a mesma
entidade revelou que 222 milhões de mulheres no mundo querem evitar a
gravidez, mas não têm acesso a métodos contraceptivos modernos. Dessas,
162 milhões estão nos 69 países mais pobres do mundo, especialmente em
áreas rurais.
Para o diretor-executivo do Fundo de Populações das Nações Unidas, o
nigeriano Babatunde Osotimehin, isso mostra que a demografia não é um
destino. Em entrevista à Folha, ele defendeu a importância de garantir
às mulheres meios de decidir se e quando ter filhos como forma de
desacelerar o crescimento populacional e dar mais qualidade de vida para
as pessoas. Mas alertou: apenas a redução da taxa de natalidade não
será suficiente para garantir o desenvolvimento sustentável do planeta.
Leia os principais trechos da entrevista:
Folha - Muitos estudos científicos mostram que estamos ultrapassando
vários limites do planeta, ao mesmo tempo em que a população mundial
cresce em ritmo acelerado. Que tipo de perspectiva essas duas realidades
trazem para a humanidade?
Babatunde Osotimehin - Quando se fala dos desafios ambientais e das
mudanças climáticas, a resposta não está apenas no crescimento
populacional. Neste exato momento em que conversamos, a parte do mundo
que está contribuindo com a maior pegada de carbono não é o mundo em
desenvolvimento, onde a população cresce. É muito importante ter isso em
mente. Por outro lado, nesses locais onde a população está crescendo a
aspiração é chegar à classe média e ter um consumo similar ao que existe
no mundo desenvolvido hoje. Por isso precisamos de um novo paradigma
para tratar dessa questão, por isso se fala tanto na economia verde.
De qualquer forma, desacelerar o crescimento da população parece importante...
Sim, e para isso é fundamental dar condições para mulheres e meninas
fazerem suas próprias escolhas. É preciso assegurar que elas tenham
acesso aos serviços de saúde reprodutiva, especialmente ao planejamento
familiar, para que possam optar por ter apenas o número de filhos de que
possam cuidar. Isso fará diferença não apenas para as mulheres, mas
também para os orçamentos domésticos e para os países.
O que o senhor achou do fato de que, por pressão do Vaticano, a
menção aos direitos reprodutivos femininos acabou excluída do documento
final da Rio+20 [Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável,
que ocorreu em junho no Rio]?
Eu prefiro ver o copo meio cheio, não meio vazio. Quando o primeiro
rascunho do documento foi divulgado, ele sequer mencionava a palavra
saúde [a redação final fez menção à saúde reprodutiva]. Então trilhamos
um longo caminho até aqui. E o documento final reitera a agenda que
resultou da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento,
a agenda do Cairo. Isso significa que os direitos reprodutivos estão
citados de forma implícita.
Quando se fala dos problemas ligados ao crescimento da população,
muita gente os associa às previsões de Malthus [que dizia que a expansão
da produção de alimentos não iria acompanhar o ritmo de expansão da
população e aconselhava a abstinência sexual para diminuir a
natalidade]. O senhor vê similaridades?
O malthusianismo não tem nada a ver com as discussões atuais. O jeito
que abordamos a questão do crescimento populacional é diferente. Hoje
muitos países têm políticas e programas específicos para o tema. O
Brasil é um exemplo. Em 30 anos, o número de filhos por mulher caiu
consideravelmente. E o mesmo está acontecendo em muitos outros países.
Quanto mais conseguirmos engajar os governos, mais o que aconteceu aqui
vai acontecer também em outros lugares.
Relatório recente divulgado pelo UNFPA destaca que a média das
projeções populacionais apontam que seremos 10 bilhões ao fim do século,
mas há estimativas que chegam a 16 bilhões...
A demografia não é um destino. A questão é o que faremos para não
ultrapassar essa projeção média. Precisamos dar o poder de escolha para
as mulheres. Mas muitos países no sul global ainda têm uma população
muito jovem e assistirão ao crescimento de suas populações. Só que ele
não será tão rápido como tem sido se as medidas necessárias forem
tomadas.
Por outro lado, o envelhecimento da população também é um problema.
Essa é outra questão que deve ser abordada. Alguns países no mundo já
estão elaborando políticas sociais para garantir que a população
envelheça com dignidade. Porque isso vai ter consequências nas
aposentadorias, nos serviços sociais, no sistema de saúde, na habitação,
nos transportes... É algo para o qual não estamos preparados. E claro
que esses países também vão perder competitividade. A produtividade vai
cair porque eles não vão ter o mesmo contingente de jovens na indústria,
nos serviços... Por isso, alguns países já estão fazendo esforços para
rejuvenescer suas comunidades. A Dinamarca, por exemplo, conseguiu
elevar o número de filhos por mulher, que estava abaixo de 2 e agora
está em 2,1 ou 2,2. E isso só foi possível porque criaram uma série de
políticas amigáveis para as mulheres, com licenças maternidade mais
longas, segurança no trabalho e instalações para crianças nas
proximidades dos locais de trabalho. Cada país tem que achar a solução
para os seus desafios.
O senhor falou da perda de produtividade decorrente do envelhecimento
da população, exatamente num momento em que o mundo precisa aumentar a
produtividade para alimentar sua população crescente sem aumentar a
pressão sobre recursos naturais. Isso não torna o desafio ainda mais
difícil?
Isso nos leva de volta à questão da economia verde. No hemisfério sul há
muitos jovens que estão em busca de educação, em busca de empregos, e
eles podem ajudar a aumentar a produção de alimentos e de outros bens
sem causar desequilíbrios ao meio ambiente. Não podemos esquecer que
vivemos em um mundo globalizado, onde muito possivelmente as maçãs que
são comidas em Nova York foram produzidas na África do Sul.
E qual o papel que a ciência e a tecnologia terão nesse novo cenário?
Um papel crucial. Em meados dos anos 60, havia uma previsão interessante
de um dos maiores pesquisadores do mundo sobre população. Ele dizia que
a Índia iria colapsar porque não seria capaz de alimentar sua população
em crescimento. Mas a produção de comida na Índia cresceu
tremendamente. E as tecnologias para aumentar a produção agrícola vão
continuar a fazer diferença no futuro. Tem também a questão da água.
Vamos ter que desenvolver tecnologias que nos permitam utilizar a água
de forma melhor.
Quando se fala sobre crescimento populacional, o foco sempre está nas
mulheres. Claro que são elas que dão à luz os filhos, mas o senhor não
acha que deveria haver uma tentativa de envolver mais os homens nessa
discussão?
Você está absolutamente correta. Nós sabemos que muitas decisões tomadas
tanto no nível macro quanto no micro têm a participação dos homens. Em
algumas culturas, até mesmo a decisão de a mulher ir para o hospital ou
tomar medicamentos depende do homem. É essencial envolvê-los na
discussão.
Em muitos países, questões religiosas e culturais acabam funcionando
como uma barreira ao planejamento familiar. Como mudar isso?
Essas questões têm que ser abordadas com base na realidade de cada país.
Temos que engajar os governos e as partes interessadas para garantir
acesso aos serviços. É preciso fazer um diagnóstico de cada comunidade
para ver qual a melhor forma de fazer isso.
E o senhor acha que o aborto deveria ser uma opção para uma mulher que teve uma gravidez indesejada?
O Fundo de População da ONU apoia o que já foi acordado na ONU, de que
nos países onde o aborto é legal, ele tem que ser seguro. Mas é
importante enfatizar que, se formos capazes de atender as necessidades
das mulheres por planejamento familiar, vamos reduzir os abortos, porque
elas terão o poder de fazer escolhas antes que seja tarde demais.
Preocupação mundial! Post e comente a temática! 10/10/12