Entenda como a guerra da Síria virou maior crise humanitária da
atualidade
Primavera Árabe
chegou à Síria em 2011, mas não derrubou ditador.
Revolução popular evoluiu para uma guerra que soma
400 mil mortos.
Ao longo de seis anos, a guerra civil na Síria se
transformou na maior crise humanitária da atualidade.
Em 2011, a Primavera Árabe chegou à Síria. A onda de
protestos populares contra ditadores, que já atingia a Tunísia,
Líbia, Egito, agora mirava também Bashar al-Assad.
Mas, ao contrário do que aconteceu nos outros países, na Síria, o ditador não
caiu. Assad reagiu com forte repressão. Parte da oposição pegou em armas.
A revolução popular evoluiu para uma guerra que não
parou mais. Mais de 400 mil morreram, a grande maioria civis. Cinco milhões de
pessoas fugiram para outros países.
Assad é um muçulmano da corrente alauita - minoritária
no país. Os grupos rebeldes variam entre os mais moderados e os radicais e são,
na maioria, da corrente sunita do Islã.
Em 2012, a Síria admitiu pela primeira vez que tinha
armas químicas. O então presidente americano, Barack Obama,
ameaçou usar força militar caso Assad ultrapassasse o que ele chamou de linha
vermelha e usasse essas armas.
Em 2013, a Síria ultrapassou a linha vermelha, fez um ataque químico na
cidade de Ghouta, que era controlada por rebeldes. Mais de 500 pessoas
morreram.
Obama pediu autorização ao Congresso para usar força
militar contra a Síria, mas não conseguiu aprovação.
A guerra interna deixou a Síria em caos e o grupo
terrorista Estado Islâmico -
nascido no vizinho, Iraque - aproveitou para ocupar territórios sírios
A partir daí, era o governo de Assad contra os vários grupos rebeldes e
também contra o Estado Islâmico.
Em 2014, Barack Obama liderou a formação de uma coalizão
para atacar o Estado Islâmico, que já controlava grandes áreas na região. Isso
poderia ajudar Assad a se livrar de um dos inimigos dele. Por isso, muitos
países não quiseram se envolver.
Em 2015, o governo de Assad estava enfraquecido. Além do
avanço dos terroristas, os grupos rebeldes conseguiram tomar bases militares.
Foi então que a Rússia entrou
na guerra.
O governo de Vladimir Putin dizia que era para atacar os
terroristas, como faziam outros países, mas logo ficou claro que a Rússia
queria era ajudar Assad a recuperar o terreno perdido.
Até agora, os Estados Unidos não
miravam em alvos do governo sírio. Lançavam ataques aéreos apenas contra os
terroristas do Estado Islâmico e apoiavam os grupos rebeldes mais moderados
para que eles atacassem o regime de Assad.
Mas essa estratégia não funcionou contra o ditador. O
que funcionou foi a estratégia da Rússia. Com a ajuda dela, Assad conseguiu
permanecer no poder e retomar áreas que já tinha perdido. Na ONU, a Rússia vetou várias vezes resoluções
contra o governo de Assad.
A aliança com a Síria é antiga e vital para a Rússia no Oriente Médio -
região onde a maior parte dos governos é alinhada com os Estados Unidos. Desde
a década de 70, os russos têm um grande porto na cidade de Tartus, no Mar
Mediterrâneo.
Após a Segunda Guerra Mundial, a então União Soviética
ajudou a Síria a desenvolver suas forças militares e fez do país um aliado
durante a Guerra Fria, quando disputava poder e influência com os Estados
Unidos.
O professor de política internacional Fernando Brancoli
explica que, ainda hoje, a Rússia disputa esse espaço com os Estados Unidos.
“Desde o final da Guerra Fria, a Rússia vem perdendo
prestígio e influência no sistema internacional. E essas ações militares, seja
na Ucrânia, seja na Crimeia e agora na Síria, é uma forma, um trampolim para a
Rússia mostrar que ainda é um ator relevante, que ainda tem capacidade de atuar
internacionalmente com força e de que qualquer movimentação importante nessa
região necessariamente precisa da Rússia. Pra Rússia, não é interessante a
queda de Bashar al-Assad e ela certamente vai fazer as movimentações para
impedir qualquer tipo de situação nesse sentido”, diz o professor de política
internacional – UFRJ.
EUA dizem que
ataque contra Síria é alerta para outros países, incluindo a Coreia do Norte
EUA atacam base aérea na Síria com 59 mísseis Tomahawk
Os Estados Unidos lançaram 59 mísseis Tomahawk contra uma base
aérea na Síria na noite desta quinta-feira (6), de onde, segundo o presidente
Donald Trump, partiu um ataque químico que matou mais de 80 pessoas esta
semana. De acordo com o Exército sírio, 6 pessoas morreram. Já segundo o
Observatório Sírio de Direitos Humanos (OSDH), 4 morreram.
Os ataques aconteceram por volta das 21h40
(hora de Brasília), 4h40 na hora local da Síria. O porta-voz do Pentágono Jeff
Davis disse que os mísseis foram lançados dos destroieres USS Porter e USS Ross
contra “aeronaves, abrigos de aviões, áreas de armazenamento de combustível,
logística e munição, sistema de defesa aérea e radares”.
O Observatório Sírio de Direitos Humanos
(OSDH), de oposição à Assad, informou que a base síria bombardeada pelos
Estados Unidos foi “quase” totalmente destruída e que quatro soldados morreram
no ataque. Já o Exército sírio informou que seis pessoas, mas não informaram se
as vítimas são civis ou militares.
O presidente Donald Trump, que participou
nesta quinta de um jantar com o presidente chinês Xi Jinping na Flórida,
confirmou a ordem. Ele diz que Assad usou um agente nervoso mortal para matar
muitas pessoas. "Esta noite eu dei ordem para um ataque militar na base
militar na Síria de onde o ataque químico foi lançado".
O Conselheiro nacional de segurança H. R.
McMaster disse que Trump recebeu três opções de como reagir contra o ataque
sírio e disse aos conselheiros para focar em duas delas. Nesta quinta ele
decidiu qual seria a ação.
Mudança de estratégia
Esta é a primeira vez que os Estados Unidos atacam diretamente
as forças de Assad em seis anos de guerra. Até então, o país havia concentrado
esforços em combater o autoproclamado "Estado Islâmico" na Síria e no
Iraque, assim como militantes ligados à rede terrorista Al Qaeda que controlam
grandes partes da província de Idlib, onde fica a cidade de Khan Cheikhoun.
O dilema para Trump é que uma campanha militar para enfraquecer
as forças de Assad provavelmente vai fortalecer grupos terroristas que combatem
o regime sírio em solo. Durante a campanha presidencial, Trump havia advertido
contra o país ser arrastado para dentro do conflito multilateral.
A ação desta sexta-feira representa um forte acirramento no
conflito, após o presidente Trump ter indicado que haveria retaliação
dos EUA por causa do suspeito ataque químico. Em um pronunciamento feito em seu
resort Mar-a-Lago, onde se encontrou com o presidente chinês, Xi Jinping, Trump
declarou que o ataque com mísseis é de "interesse vital para a segurança
nacional".
Os Estados Unidos devem "prevenir e deter a propagação e
uso de armas químicas mortais", disse ele, acrescentando que não há dúvida
de que o regime sírio realizou o ataque químico na cidade de Khan Cheikhoun,
controlada pelos rebeldes.
"Todas as tentativas de mudar o comportamento de Assad
falharam. Como resultado, a crise de refugiados se está agravando e continua
desestabilizando a região, ameaçando aos EUA e seus aliados", afirmou o
presidente. O tom representa uma forte guinada em relação à semana anterior,
quando o secretário de Estado, Rex Tillerson, sugeriu que remover Assad não era
mais uma prioridade para os EUA.
Russos foram informados
De acordo com o Pentágono, os militares russos foram informados
sobre o lançamento dos mísseis. "As forças russas foram notificadas
previamente sobre o ataque e, os militares tomaram precauções para minimizar o
risco para pessoal russo ou sírio na base aérea", disse o porta-voz do
Pentágono, capitão Jaff Davis, citado pelo jornal The
New York Times.
Mais cedo, o embaixador da Rússia nas Nações Unidas, Vladimir
Safronkov, havia alertado sobre "consequências negativas" caso
Washington agisse militarmente na Síria. "Toda a responsabilidade se
ocorrer ação militar recairá sobre os ombros daqueles que iniciaram um trágico
empreendimento tão duvidoso", disse Safronkov.
O bombardeio também eleva a possibilidade de que as defesas
aéreas sírias, apoiadas por avançados mísseis superfície-ar da Rússia, comecem
a atirar contra aeronaves da coalizão anti-"Estado Islâmico"
comandada pelos Estados Unidos em missão sobre a Síria.
Esses sistemas de defesa, e o risco que eles representam para os
pilotos, são provavelmente a razão pela qual os EUA escolheram usar mísseis
lançados de navios de guerra no Mediterrâneo Oriental.
O presidente russo Vladimir Putin afirmou
nesta sexta-feira (7) que o ataque foi uma "agressão a um Estado
soberano" e condenou a ação que, segundo ele, é baseada em "pretextos
inventados", informaram agências da Rússia.
O chefe do Comitê de Defesa do Parlamento russo disse que a
Rússia irá convocar uma reunião urgente do Conselho de Segurança da ONU após o
ataque aéreo dos EUA à Síria e que a ação pode enfraquecer o combate ao
terrorismo no país, segundo a Reuters, que cita a agência russa RIA.
Decisão rápida
A decisão de Trump de atacar as forças de Assad ocorre quase
três anos e meio após o ex-presidente Barack Obama ameaçar com ação militar
após centenas de pessoas terem morrido em um ataque químico num subúrbio de
Damasco.
Obama havia declarado uma "linha vermelha" e estava
pronto para atacar Assad antes de inverter o curso, gerando críticas por não
impor suas linhas vermelhas e, com isso, encorajar os oponentes dos EUA.
Após falhar conseguir em aprovação do Congresso para uma ação
militar, Obama fez um acordo com a Rússia para remover o estoque de armas
químicas da Síria, depois que Damasco assinou a convenção internacional. Em
2014, a Organização para Proibição de Armas Químicas disse que havia removido
os estoques da Síria.
Desde então o governo sírio tem sido acusado de realizar
múltiplos ataques com gás cloro, não incluído no acordo entre EUA e Rússia. O
uso de armas de cloro é proibido pela Convenção de Armas Químicas, mas a
produção de cloro, não. Rebeldes sírios e militantes do "Estado
Islâmico" também foram acusados de realizar ataques com armas químicas na
guerra.
A retaliação americana ocorre apenas poucos dias após o suposto
ataque químico, levantando dúvidas se Trump se precipitou em ordenar um ataque
militar antes de haver uma investigação sobre o que realmente aconteceu em Khan
Cheikhoun.
A ação desta quinta sob ordem de Trump veio cerca de 72 horas após a ação com
armas químicas, sem consulta ao Congresso e demonstra uma tomada de decisão
mais rápida que a do antecessor Barack Obama, que chegou a cogitar ações contra
Assad, mas não as botou em prática.
Também é um revés em relação ao que Trump vinha pregando em seus discursos, de
que os EUA deveriam se concentrar na destruição do Estado Islâmico, e não na
deposição de Assad.
TrumpSpeech:
"Na terça-feira, o
ditador sírio Bashar al-Assad lançou um terrível ataque de armas químicas
contra civis inocentes. Usando um agente nervoso mortal, Assad sufocou a vida
de desamparados, mulheres e crianças. Foi uma morte lenta e brutal para muitos.
Mesmo bebês bonitos foram cruelmente assassinados neste ataque tão bárbaro.
"Nenhum filho de
Deus deve jamais sofrer tal horror. Hoje à noite, eu ordenei um ataque militar
direcionado a uma base aérea na Síria, de onde o ataque químico foi lançado. É
de vital interesse da segurança nacional dos Estados Unidos prevenir e
dissuadir a propagação e o uso de armas químicas mortais. Não pode haver
disputa de que a Síria usou armas químicas proibidas, violou suas obrigações
sob a convenção de armas químicas e ignorou a insistência do Conselho de
Segurança da ONU.
Anos de tentativas
anteriores de mudar o comportamento de Assad falharam, e falharam muito
dramaticamente. Como resultado, a crise de refugiados continua a se aprofundar
e a região continua a se desestabilizar, ameaçando os Estados Unidos e seus
aliados. Hoje à noite, pedi a todas as nações civilizadas que se unissem a nós,
buscando acabar com o massacre e o derramamento de sangue na Síria, e também
para acabar com o terrorismo de todos os tipos e de todos os tipos.
Pedimos a sabedoria de
Deus quando enfrentamos o desafio de nosso mundo muito perturbado. Rezamos pela
vida dos feridos e pelas almas daqueles que morreram e esperamos que, enquanto
a América defenda a Justiça, a paz e a harmonia prevalecerão. Boa noite e Deus
abençoe a América e o mundo inteiro."
14/04/17
com: Reuters, G1 and Deutsche Welle